Eu vivo no morro, mas não morro
Há um morro dentro de mim que não me deixa morrer.
Acostumei-me a subir nele todos os dias.
É uma subida lenta, mas faço questão de contar cada passo que dou.
Em cada progressão um galho a quebrar. Digo:" esse tá bom" ou não , "esse não está bom, precisa tirar".
Enquanto vou subindo, o vento vai chegando e aumentando suas vibrações ao redor de mim. Deixo-me levar e ele brincar comigo e soprar os meus cabelos.
Há uma paz dentro de mim que não posso fingir e sempre vou querer experimentar.
É vicioso. Cada subida vai distanciando os meus pés do comezinho, dos cismas do dia a dia, das farsas enfrentadas olho no olho.
Só no morro encontro sinceridade, sapiência, coleguismo e amabilidade.
Ao chegar no cume daquela montanha, sou abraçada por meus amigos invisíveis. Eles me dão as boas vindas e me deixam à vontade para admirar a vista. Eles me apontam cada detalhe deslumbrante e novo. De repente um casal de araras vermelhas, no outro um bando de maritacas verdinhas. Lá mais adiante um desenho de pássaros formam um triâgulo. Outro diz: "veja como aquelas montanhas são salientes, uma quer ser mais pontuda que a outra. Entretanto todas juntas formam uma onda de pedras e para que não fiquem enciumadas, o sol se despede com um beijo em todas elas. No fim aquele beijo explosivo pinta o céu de cores alaranjadas, vermelhas, são muita cores juntas. Uma beleza sem fim espalha-se sobre as montanhas apaixonadas. Agora estão todas satisfeitas e saciadas. Por esta noite dormirão sossegadas, foram reabastecidas de amor".
Meus segredos ficaram ali no morro, foram compatilhados nas minucias. Sempre digo a eles:" porque não posso ser igual a vocês? Quero ser invisivel, voar pelo céu, saltar as montanhas, tocar numa nuvem colorida, pular em cada uma delas, me sentar, deitar e rolar. Eles riem de mim e dizem: "queremos você aqui, ainda não é sua hora de transportar, há muito o que fazer".
Despeço-me como as montanhas. Não recebo um beijo, mas um abraço cheio de afago e amor. Um abraço que me acalenta e alimenta. As cores em mim são renovadas. Um suspiro de alívio. Digo a eles: "obrigada".
Agora estou como as montanhas, pronta para a batalha. Esmiuçarei cada mentira, cada ofensa, inveja sobre as pedras sufocadas.
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