Folha em branco

 


Quando pegamos na caneta e precisamos colocar no papel as intenções do nosso coração, um branco surge diante de nós. Aquele intervalo fatídico: "O que  escrever? Como escrever? As palavras precisam ser bem colocadas, pois o nosso receptor precisa compreender cada linha; cada sentimento  exposto. Mas não é fácil. Ainda que seja uma simples carta.

As primeiras frases vão surgindo. Uma saudação para "quebrar o gelo" vai muito bem. Mesmo quando escrevemos para um amigo, devemos ter o cuidado com as palavras. O complicado é escrevermos para quem não conhecemos, não tivemos o olho no olho. Então nos valemos da imaginação de quem é o nosso leitor. Nunca saberemos de fato como ele é; qual a reação dele ao ler as primeiras linhas. Entretanto escrevemos. 

Ao pensar sobre uma carta, lembrei-me de Deus.  Pois existe um ser acima de nós capaz de dominar todas as coisas. Creio nisso. Creio porque existo. E se tem um ser fantástico e que admiro é o ser humano. Não há como viver e não refletir sobre a existência, a criação. A mente humana é poderosa; é além do tempo. 

Vejo Deus como um escritor nato. Ele é o melhor autor. Ninguém escreve como Ele. Nós estudamos e passamos um bom tempo de nossa vida tentando compreender as estruturas e composições frasais. Fazemos inúmeras leituras.  E Ele ,simplesmente, escreve. Dá versos a quem não fala, nem anda; apenas balbucia e chora.

Sim, somos uma carta e ela precisa ser lida por alguém. A carta da vida tem data de nascimento, hora e saudação. O choro de uma criança é um cumprimento ao mundo terreno. Nos primeiros anos de vida, a mãe vai tentando escrever, montar as frases junto com a criança. A mãe aponta o caminho, decide os primeiros trajetos, as primeiras linhas.

 Entretanto chega um momento em que a criança vai decidir quais palavras escrever; quais frases montar; quais caminhos percorrer.  E nesse período de escrita livre,  não há medo nem preocupação com a legibilidade da letra nem com o receptor. A criança escreve como quer: corre, brinca, xinga, chora, pula, sorrir. É uma escrita livre, mas ainda protegida.

 A mãe  interfere em algumas palavras, algumas frases. Ela corrige daqui, corrige dali, porém percebe que está perdendo o domínio. Ela diz: "Meu filho, não fale assim, respeite seu pai". E pela insegurança da escrita, o filho ouve com resistência, mas questiona. Ele diz: "Por que, mãe, o pai não deixa eu ir?". 

E assim o texto vai sendo escrito. Parece mais um rascunho: tem rasuras, tem manchas de borracha;  linhas escritas à caneta. Se fosse levado a uma banca, seria eliminado: muitas imperfeições. Alguns leitores desaprovam algumas frases. Dizem: "Como pode uma pessoa escrever assim? não tem limites". Outros dizem: "Esse texto não vale nada. Seria bom jogar fora e começar de novo"!

Assim a carta vai sendo escrita. Quando as interferências maternas vão se tornando menos importantes, outros chegam para modifcar. Nesse momento o personagem não é mais uma criança, e sim  um jovem. Este cheio de perguntas, de ilusões e incertezas sobre a vida. Redatores alheios à propria história dão sugestões de como agir; de como fazer. E essas dicas externas começam a determinar as decisões.  De repente esse jovem se vê distante da própria narrativa.  Perde-se por algum tempo a coerência entre os parágrafos. Tudo parece sem sentido, sem coesão, sem nexo. Uma lacuna se abre. O sentido da própria existência fica confuso, sem valor, sem importancia.  O jeito é desistir. Não deseja mais aprimorar a letra, em corrigir os erros; em retomar o pensamento principal. Quem  lê não compreende. Alguns dizem: "Esse aí está perdido"; outros dizem: "Não entendi nada". 

De súbito chega-se ao branco. E agora o que escrever? Como começar tudo de novo? E aquele folha diante de sua face pronta para ser preenchida, mas não sabe como iniciar. E fica parado, mirando o papel em branco. Então surge o autor. Aquele que por um momento foi esquecido, colocado de lado: o melhor redator da vida. Ele chega, e como num sonho,  apaga e muda toda a  história.  A opinião de alguns expectadores é ignorada. Agora o verdadeiro autor das cartas da  vida tem todo o poder. O poder da palavra, da composição das frases; de cada parágrafo da história. Essa nova carta, em alguns, despertará o riso, em outros lágrimas. No entanto que sejam lágrimas de esperança, empatia, mudança. O importante é ter a chance de recomeçar e poder ver em cada linha um aprendizado, uma vitória, o amor.  O amor do primeiro autor. 


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